sábado, 9 de abril de 2016

Prisma




Vi uma vaca no gualho de uma árvore.
A árvore era muito alta, galhos espaçosos e fortes.
Eu não sabia que vacas podiam subir em árvores.

Aquela vaca enorme, branquinha, serena, segura, perspicaz, cuidadosamente foi andando até um pouco depois do meio do galho.
Ela deitou, se ajeitou.
De onde eu estava, eu a via de costas.
Caia a tarde, o céu era suave.
Era nítido que ela meditava. Contemplava a totalidade. Lá de cima.
Ela se ajeitou algumas vezes.
Virou pra lá, depois virou pra cá. Como quem afofa o travesseiro feliz e satisfeito.

Grande. Ela transmitia abundância, saúde, prosperidade, experiência e sabedoria.
Era hipnotizante olhar para ela.
Plena.

O galho ao lado se moveu com o vento, o outro também. Dificultou para que eu a contemplasse.
Num desses balançar de folhas, vi que ela tinha se levantado.
Saí correndo, rua abaixo, para me aproximar.
Havia uma multidão.
Pensei que todos estavam ali apreciando a vaca, mas estavam muito extrovertidos, conversando, falando de outras coisas. (Como não estão notando esse momento divino?)
Cheguei perto.
Ela tinha ficado em pé somente com as duas patas traseiras e erguido as duas patas dianteiras para o céu.
Estava levitando. Algo a movia para frente se distanciando da árvore.
Levitando no suave céu do cair da tarde.
Uma brisa envolveu. Pequenas nuvens também. 

Paz
Sublime Paz
Instantes depois, no lugar dela, um prisma.

E no meu coração o mistério do silêncio, e a graça da visão.